25.10.12

um prato cheio

Foi na madrugada de domingo, o dia em que eu cheguei nessa cidade, que mataram uma menina com dois tiros no pescoço aqui no bairro. No dia seguinte, lá estava o Datena, na televisão anunciando a tragédia com a elegância que lhe é característica. E, cinco minutos depois, a mãe da minha colega-de-quarto, ligando e anunciando a tragédia aos prantos, preocupada do jeito fofo que eu já lhe percebi ser característico também.
Isso quem sabe seja um fator relevante na explicação da ideia que, nem que inconscientemente, eu tive, hoje, na hora de ir almoçar. Além de sem o meu fiel-escudeiro-iPod, saí com apenas cerca de dois reais e alguns míseros centavos na minha bolsinha de moedas - completamente, portanto, protegida contra assaltos, tiros no pescoço, estupros, perseguidores e todos os outros males que a cidade grande (lê-se com o clássico sotaque curitiboca: leitE quentE dá dor dE dentE) tem a oferecer.
Quer dizer, todos não. 
Pouco antes de sair de casa, e de, portanto, ter qualquer ideia, um outro mal da cidadE grandE me deixava um tanto quanto perturbada: a solidão.

Pelo menos, na rua - e eu agradeço - as coisas costumam ser diferentes. Sempre. Na cidadE grandE ou não. Ver gente andando na rua, vivendo a vida, me acalma. Enquanto me distraio, ou com as coisas que acontecem por aí ou com meias-conversas dos outros (pérolas-de-4-dias-em-SP: uma mulher imitando um papagaio e outra apaixonada, no celular contando que "daí ele disse que eu sou a garota do filme"), tá tudo bem. Tá tudo ótimo. 
Eu consigo ver o motivo de ter vindo para cá: meu amor por tudo isso. 
Ainda tá  tudo confuso, mas não chorei nem quando meus pais foram embora. To bem. Ta tudo bem. 

Chegando no restaurante, no entanto, as coisas mudam. Deixo minha mochila numa mesa para 2 sabendo que vou sentar sozinha. E, pelo amor, que merda que é comer sozinha. 
Enquanto pego um prato e me sirvo, a falta dos curitibocas ofusca minha vontade de cidadE grandE. Isso me consume, e acaba me fazendo encher o prato com mais comida do que eu efetivamente queria comer.
"Tudo bom?" pergunto, sorrindo apesaaaaaaaaaar dos pesares, para a moça que pesa os pratos. 
Ela - que, em 2 almoços, já vi que é fofa - sorri de volta e me dá a folhinha em que estão marcados os R$9,46 que não estavam naquela porra de bolsinha de moedas.

Que bosta. O que eu ia fazer? Numa situação dessas? O sorriso com certeza foi embora. Não prestei mais atenção. De repente me vi sentada sozinha diante de um prato gigante de comida que, além de não conseguir comer, não ia conseguir pagar. 
Que bosta. O que eu ia fazer? Sem conhecer ninguém nessa cidadE. 

Que bosta. 
A fome tinha até ido embora. Grão de bico, suflê de cenoura, alface, meu, quanta coisa.
Que bosta. Será que eu devolvo esse prato?

Levantei. Tinha almoçado ali ontem. Quem sabe a moça do caixa lembrasse de mim. 
Hesitei. 
Fui.
"Moça..."

"Pois não, tudo bom?"
"Moça...", e, xii, lágrimas se aproximavam. "Eu me mudei pra cá faz dois dias, e, sabe, eu... Eu almocei aqui ontem, você lembra de mim?"
Ela ficou me olhando, quieta. E eu engolhi as lágrimas, porque PELO AMOR DE DEUS NÉ.
"Bom... Então. Eu não tenho dinheiro para pagar meu almoço. Quer dizer, tenho, eu tenho, mas não aqui. Eu posso te pagar amanh- hoje ainda! E você anota meu nome completo, RG, CPF, endereço, telefone, sei lá, tudo."
Ela riu. "Tudo bem. Você já comeu? Termina lá de comer"
"Mesmo?"
"Aham."
"Brigada, viu. Brigada mesmo. Sério."
"De nada", e eu voltei. 

Empurrei aquilo tudo guela abaixo e pedi desculpas pra "moça" de novo. Ela anotou não tudo aquilo que eu tinha desesperadamente sugerido, mas meu nome e telefone. E eu segui meu caminho.

O restaurante fechou às três da tarde, então ainda não deu pra pagar minhas dívidas.
Mas, veja bem, também ainda não deu para chorar. 

3 comments:

  1. leite quente da dor de dente no dente da gente!
    Assim, o choro é outro!
    ahahhaa
    Estou morrendo de rir imaginando você no restaurante sem dinheiro!!!! Podemos rir né? Já é passando.

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  2. Não se preocupe, as coisas só vão ficar melhor daqui em diante :)
    (Quando comecei a ler, achei que ia faltar dinheiro pro onibus, que é R$3 haha)

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  3. hahaha achei genaial o cidedE grandE hahaha

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