9.11.12

340 m/s

Muitos fatores - sendo a grande maioria deles incompreensível, e até imperceptível, a minhas aptidões intelectuais - me trouxeram até aqui, ponto em que nunca tinha me imaginado presente antes:

Chovia lá fora, mas, dentro da garagem do meu avô, eram só os pneus do carro da minha mãe que molhavam o chão. O barulho que eles faziam ao tentar se movimentar, praticamente idêntico ao que minhas galochas tinham reproduzido enquanto eu andava pelas calçadas da cidade durante o dia, não eram só um barulho, mas toda uma epifania. 
" Meu deus, mãe. É oficial."
"Como assim?" ela respondeu, se contorcendo para manobrar o carro e não prestando muita atenção no que eu estava dizendo. (Ô garagenzinha complicada). 
"O vestibular tá me deixando maluca. A primeira coisa que me vem na cabeça, agora, ouvindo o barulho dos pneus enquanto você tá manobrando o carro, é que o atrito é uma força dissipativa."
Silêncio. 
"Ele transforma a energia cinética das rodas em outras formas de energia. Tipo calor. Ou tipo esse barulho engraçado - energia sonora. Uma onda mecânica, que precisa de matéria para se manifestar. Uma vibração, no pneu, no chão, no ar, nos nossos ouvidos." Eu tinha consciência de que estava falando sozinha, mas, mesmo assim, estava fascinada demais para ficar quieta. "Caraca..."
Estava fascinada, demais para ficar quieta, e não só pela força dissipativa incrível e mágica que é o atrito, mas principalmente pela improbabilidade toda - que eu mencionei lá em cima - do momento: eu entendendo física. 

Minha mãe não deu muita bola para o momento epifânico, e também nem tinha como: já estava em outra ligação com o gerente de não-sei-o-quê de não-sei-o-quê-lá da empresa. 
Problema é dela. Não pôde aproveitar a continuidade do raciocínio/viagem total na maionese que eu acabei desenvolvendo, quietinha, enquanto nos mantínhamos paradas no trânsito. (Pelo menos já tínhamos conseguido sair da garagem).
O som é um mecanismo relativamente simples. Na verdade eu não o entendo tão bem quanto quero acreditar que entendo (afinal de contas, está chegando o vestibular, e eu quero também acreditar que entendo muitas, mas muitas outras cositas más), mas acho que posso simplesmente dizer que é assim: uma vibração que a gente ouve.
Perceber isso é bizarro: tanto a própria vibração (muitas vezes aleatória e aparentemente inútil, como as galochas na calçada e os pneus no chão da garagem) quanto a assimilação dela pelo sistema nervoso animal se dão por meio de particulazinhas se mexendo, ali, pequenininhas, como se estivessem tremendo de frio ou de medo. (Só que é de "som". Ã?)
A gente fala porque, pela vantagem que essas vibrações e assimilações trouxeram à vida, a natureza selecionou seres com PREGAS VOCAIS que vibram e reproduzem sons. E, principalmente, porque (MEU DEUS, como isso é doido) um dia passaram a ser determinadas palavras, cada uma delas designando uma coisa, concreta ou não. 

Hoje a gente se liga pelo celular, se fala, acha que se entende... 
A gente toca, canta e ouve música; estuda tubos sonoros para o vestibular e conta sobre epifanias de dentro de nossas caixolas para nossas mães - nossas pregas vocais vibram, o ar vibra e os ouvido das nossas mães vibram. (Mesmo se elas estão ocupadas com outras coisas e não nos dão bola.)

Os pneus e as botas vibram e produzem sons, sim, mas não querem dizer nada. 
As pessoas, elas sim, o querem, mas muitas vezes não conseguem. 
As pessoas, elas sim, querem, e às vezes, quando conseguem, não são escutadas. 

A comunicação, além de absurdamente mágica, é uma vantagem, uma ferramenta.
A natureza parece que implora por comunicação. 
Por que será que continua tão difícil para tanta gente? As pregas já estão ali prontinhas para vibrar. Berramos ao chorar, quando chegamos ao mundo, sem sabermos direito o que fazemos: e a coisa toda só tende a se sofisticar com o passar do tempo. 

Isso me faz pensar.
Quais são os limites da comunicação? Até onde podemos avançar?
O que vem depois da palavra? 
O que viria, o que seria de nós, se ela não existisse?




(Meu deus, gente. É oficial.)

25.10.12

um prato cheio

Foi na madrugada de domingo, o dia em que eu cheguei nessa cidade, que mataram uma menina com dois tiros no pescoço aqui no bairro. No dia seguinte, lá estava o Datena, na televisão anunciando a tragédia com a elegância que lhe é característica. E, cinco minutos depois, a mãe da minha colega-de-quarto, ligando e anunciando a tragédia aos prantos, preocupada do jeito fofo que eu já lhe percebi ser característico também.
Isso quem sabe seja um fator relevante na explicação da ideia que, nem que inconscientemente, eu tive, hoje, na hora de ir almoçar. Além de sem o meu fiel-escudeiro-iPod, saí com apenas cerca de dois reais e alguns míseros centavos na minha bolsinha de moedas - completamente, portanto, protegida contra assaltos, tiros no pescoço, estupros, perseguidores e todos os outros males que a cidade grande (lê-se com o clássico sotaque curitiboca: leitE quentE dá dor dE dentE) tem a oferecer.
Quer dizer, todos não. 
Pouco antes de sair de casa, e de, portanto, ter qualquer ideia, um outro mal da cidadE grandE me deixava um tanto quanto perturbada: a solidão.

Pelo menos, na rua - e eu agradeço - as coisas costumam ser diferentes. Sempre. Na cidadE grandE ou não. Ver gente andando na rua, vivendo a vida, me acalma. Enquanto me distraio, ou com as coisas que acontecem por aí ou com meias-conversas dos outros (pérolas-de-4-dias-em-SP: uma mulher imitando um papagaio e outra apaixonada, no celular contando que "daí ele disse que eu sou a garota do filme"), tá tudo bem. Tá tudo ótimo. 
Eu consigo ver o motivo de ter vindo para cá: meu amor por tudo isso. 
Ainda tá  tudo confuso, mas não chorei nem quando meus pais foram embora. To bem. Ta tudo bem. 

Chegando no restaurante, no entanto, as coisas mudam. Deixo minha mochila numa mesa para 2 sabendo que vou sentar sozinha. E, pelo amor, que merda que é comer sozinha. 
Enquanto pego um prato e me sirvo, a falta dos curitibocas ofusca minha vontade de cidadE grandE. Isso me consume, e acaba me fazendo encher o prato com mais comida do que eu efetivamente queria comer.
"Tudo bom?" pergunto, sorrindo apesaaaaaaaaaar dos pesares, para a moça que pesa os pratos. 
Ela - que, em 2 almoços, já vi que é fofa - sorri de volta e me dá a folhinha em que estão marcados os R$9,46 que não estavam naquela porra de bolsinha de moedas.

Que bosta. O que eu ia fazer? Numa situação dessas? O sorriso com certeza foi embora. Não prestei mais atenção. De repente me vi sentada sozinha diante de um prato gigante de comida que, além de não conseguir comer, não ia conseguir pagar. 
Que bosta. O que eu ia fazer? Sem conhecer ninguém nessa cidadE. 

Que bosta. 
A fome tinha até ido embora. Grão de bico, suflê de cenoura, alface, meu, quanta coisa.
Que bosta. Será que eu devolvo esse prato?

Levantei. Tinha almoçado ali ontem. Quem sabe a moça do caixa lembrasse de mim. 
Hesitei. 
Fui.
"Moça..."

"Pois não, tudo bom?"
"Moça...", e, xii, lágrimas se aproximavam. "Eu me mudei pra cá faz dois dias, e, sabe, eu... Eu almocei aqui ontem, você lembra de mim?"
Ela ficou me olhando, quieta. E eu engolhi as lágrimas, porque PELO AMOR DE DEUS NÉ.
"Bom... Então. Eu não tenho dinheiro para pagar meu almoço. Quer dizer, tenho, eu tenho, mas não aqui. Eu posso te pagar amanh- hoje ainda! E você anota meu nome completo, RG, CPF, endereço, telefone, sei lá, tudo."
Ela riu. "Tudo bem. Você já comeu? Termina lá de comer"
"Mesmo?"
"Aham."
"Brigada, viu. Brigada mesmo. Sério."
"De nada", e eu voltei. 

Empurrei aquilo tudo guela abaixo e pedi desculpas pra "moça" de novo. Ela anotou não tudo aquilo que eu tinha desesperadamente sugerido, mas meu nome e telefone. E eu segui meu caminho.

O restaurante fechou às três da tarde, então ainda não deu pra pagar minhas dívidas.
Mas, veja bem, também ainda não deu para chorar. 

11.8.12

palavras

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